domingo, 27 de julho de 2025

Da Baviera para o Brasil: Hofbräu começa a produzir suas cervejas em solo nacional

Hofbräu começa a produzir cervejas no Brasil em parceria com a Bier & Wein, marcando a primeira internacionalização da marca bávara em 400 anos.

Poucas marcas no mundo carregam tanto peso histórico e simbólico quanto a Hofbräu München. Fundada em 1589 por decreto ducal e ainda hoje propriedade do Estado da Baviera, essa cervejaria estatal alemã é sinônimo de tradição bávara, Oktoberfest e receitas clássicas que resistem há séculos. Agora, pela primeira vez desde sua criação, a HB cruza fronteiras não apenas nas garrafas, mas também nos tanques: a marca acaba de anunciar que suas cervejas passarão a ser produzidas no Brasil. Mais do que um simples movimento logístico, a decisão abre uma nova fase da sua história — e levanta reflexões sobre o futuro das grandes cervejarias europeias num mundo em constante transformação.


Um passo ousado para um ícone imutável

Durante mais de quatro séculos, a Hofbräu resistiu a guerras, impérios, revoluções e crises econômicas. Mesmo assim, ainda mantém sua produção rigidamente dentro da Alemanha. Esse rigor fez dela uma guardiã da identidade cervejeira bávara, algo que vai além de insumos e processos: é um símbolo cultural, quase uma instituição. A produção local fora da Alemanha sempre foi descartada. Mas os tempos mudam. E a HB também.

A partir de agosto de 2025, a cervejaria inicia sua produção no Brasil em parceria com a importadora Bier & Wein. O projeto, que contará com supervisão técnica direta da matriz em Munique, respeitará os padrões originais da Lei da Pureza Alemã. A ideia não é “abrasileirar” a receita, mas torná-la mais acessível e viável dentro de um cenário global em mutação.


O que está por trás dessa decisão histórica

Embora o anúncio soe como uma conquista brasileira, a decisão da Hofbräu carrega um pano de fundo estratégico. Na Alemanha, o consumo de cerveja vem caindo ano após ano. Mudanças de hábitos alimentares, envelhecimento populacional e uma onda crescente de moderação — com destaque para as alkoholfrei, cervejas sem álcool — pressionam as tradicionais helles, dunkels e weizens. Soma-se a isso o aumento exponencial no custo da energia, resultado direto da instabilidade na Europa Oriental, e o avanço de rótulos artesanais locais que desafiam os grandes nomes com propostas inovadoras e apelo regional.

Diante desse cenário, internacionalizar a produção deixou de ser tabu e virou questão de sobrevivência. O Brasil surge como porta de entrada para a América do Sul, com mercado robusto e público cada vez mais receptivo às cervejas premium.


Por que o Brasil?

A escolha pelo Brasil não é casual. Aqui, o gosto por cerveja alemã vai além do paladar: é herança cultural. Diversas regiões, especialmente no Sul, mantêm tradições germânicas vivas — da arquitetura ao chope. Além disso, o consumidor brasileiro amadureceu. Saiu da fase do puro marketing importado e passou a exigir qualidade real, com curiosidade sobre origem, estilos e processos.

Outro fator decisivo foi a questão cambial. Com o euro que beira os R$ 6,00 nos últimos anos, manter a importação integral das cervejas HB se tornou um desafio comercial. Produzir localmente reduz custos, melhora a competitividade e permite que a marca chegue com mais força aos pontos de venda, sem comprometer a qualidade.


O papel da Bier & Wein nessa nova fase

A Bier & Wein não é apenas uma importadora. É uma das grandes responsáveis por apresentar as cervejas especiais ao Brasil nos anos 90. Marcas como Erdinger e Paulaner chegaram por meio dela, num tempo em que palavras como weissbier ou helles ainda soavam exóticas até para especialistas.

Nos últimos anos, porém, a empresa passou por turbulências. Em 2024, a marca Paulistânia, vinculada ao grupo, entrou em recuperação judicial. Ainda assim, a Bier & Wein manteve sua rede de distribuição e o know-how acumulado em décadas de atuação. A parceria com a Hofbräu pode representar um recomeço. É uma aposta na retomada — e um reconhecimento de que, apesar dos percalços, ainda detém o mapa da mina no segmento premium.


Produção nacional: tendência que veio para ficar

A decisão da Hofbräu não é um caso isolado. Diversas marcas internacionais migraram parte de sua produção para o Brasil nos últimos anos. Goose Island, Brooklyn, Blue Moon e Hoegaarden são apenas alguns exemplos. O modelo é pragmático: garante maior agilidade no fornecimento, reduz impostos e permite adequar o produto ao perfil do mercado local sem perder a identidade original. Com a supervisão adequada, a essência da marca é preservada — e o consumidor sai ganhando em custo-benefício.


O início da produção nacional da Hofbräu é mais do que uma mudança operacional: é um símbolo de transformação no mundo cervejeiro global. Uma marca que sobreviveu quatro séculos sem sair de casa agora decide atravessar o Atlântico, guiada por estratégia, necessidade e uma dose de ousadia. Para os brasileiros, resta a expectativa — e o privilégio — de experimentar uma das mais tradicionais receitas da Baviera, agora feita em casa, sem abrir mão da alma alemã. Se o sabor continuar fiel ao espírito original, podemos dizer: prost! à nova era.

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Autor: Thiago Neto

Autor: Thiago Neto
Minha expertise em cervejas vem da leitura de vasta literatura, como a Larousse da Cerveja e Guia Oxford da Cerveja, por exemplo. Tenho experiência em degustação de variedades de cervejarias do Brasil e exterior, grandes e artesanais. Isso aprimorou minha compreensão de métodos de serviço, harmonização e degustação, com consequente ampliação do meu conhecimento dos estilos cervejeiros.