Da taberna ao design gráfico
As bolachas, ou porta-copos, surgiram da necessidade prática de evitar manchas de umidade nas mesas de madeira — especialmente em tavernas e pubs onde a rotatividade de clientes era alta. Registros históricos indicam que, antes do papel prensado, utilizavam-se tecidos dobrados, discos de feltro e até tampas de estanho, mais comuns na Europa central.
Foi apenas no fim do século XIX que surgiram as primeiras versões em papelão absorvente, precursoras das modernas bolachas de cerveja. Elas surgiram na Alemanha, país que não só deu origem à Lager como também ao porta-copo impresso com propaganda, uma combinação engenhosa entre funcionalidade e marketing. A empresa alemã Friedrich Horn introduziu os primeiros porta-copos descartáveis em papelão. Estes foram patenteados por Robert Sputh em 1892, na cidade alemã de Dresden.
Formatos, materiais e identidades visuais
Tradicionalmente circulares, as bolachas já assumiram outras formas com o passar do tempo. Quadradas, hexagonais, ovais, e até recortadas em formatos que imitam o logotipo da cervejaria. A preferência pelo círculo permanece, mas o design contemporâneo valoriza a diferenciação.
Os materiais também evoluíram. O papelão absorvente é o mais comum, mas há versões em cortiça, MDF, borracha, silicone e até couro. Em eventos cervejeiros, surgem bolachas em acrílico ou metal com acabamento de alto padrão, muitas vezes vistas como itens de luxo. O material escolhido influencia não apenas a funcionalidade, mas também a estética e o posicionamento da marca que estampa a peça.
Além da proteção: comunicação e marketing
Na era pré-digital, a bolacha era uma das principais ferramentas de marketing nos bares. Ali se estampavam logotipos, slogans, cores institucionais e até calendários. Muitas bolachas indicavam estilos de cerveja, orientações de consumo e brindes promocionais. Era comum que cervejarias lançassem séries comemorativas com tiragens limitadas, cada uma com um visual distinto, frequentemente atrelado a eventos culturais ou datas sazonais. Atualmente, algumas marcas usam QR codes nas bolachas, a fim de conduzir o consumidor a experiências digitais, vídeos ou até playlists. O porta-copo passou de mero item funcional a mídia interativa.
Os colecionadores e a cultura dos bierdeckels
O colecionismo de bolachas, conhecido como tegestologia, possui um público fiel e organizado. Há clubes especializados, feiras internacionais, sistemas de catalogação e fóruns online dedicados exclusivamente ao tema. O termo vem do latim teges, que significa “cobertura” ou “tapete”, apropriado para o que cobre as superfícies contra a umidade.
Tegestologistas experientes não apenas colecionam, mas também documentam as tiragens, identificam erros de impressão, variações regionais e a autenticidade das peças. O mercado de bolachas raras é ativo e movimenta cifras consideráveis — algumas peças históricas podem alcançar centenas de euros em leilões internacionais. É uma prática que une paixão estética, memória afetiva e o prazer da catalogação metódica.
O austríaco Leo Pisker detém o recorde mundial em tegestologia, com uma impressionante coleção de mais de 152.000 porta-copos provenientes de 192 países. Entre os itens, há exemplares de diversos formatos e dimensões — do menor, com apenas 25 mm, ao maior, com 76 cm de diâmetro. Sua coleção ilustra a dimensão que o hobby alcançou globalmente. Para Pisker e tantos outros entusiastas, cada bolacha representa um fragmento de história e revela aspectos do design gráfico característicos de diferentes épocas e culturas.
Simbolismo e valor cultural
Mais do que itens promocionais, as bolachas registram um tempo, um estilo gráfico, uma política de comunicação e até o humor de uma geração. Há bolachas de cunho político, comemorativas de eventos esportivos, temáticas de bandas, paródias gráficas e colaborações artísticas com designers renomados. Em muitos casos, são arte efêmera.
Cumprido seu papel, são jogadas fora ou esquecidas no fundo de uma gaveta. Mas justamente por isso algumas se tornam tão valiosas: porque sobreviveram ao consumo imediato e conservam uma estética que já não se imprime mais.
Usos alternativos e reinvenções
Para além da cerveja, bolachas têm sido reaproveitadas como decoração, porta-copos de vinho, bases para miniaturas, marcadores de lugar e até capas de agendas. Alguns bares as utilizam como bilhetes ou fichas, especialmente em eventos abertos. Em projetos de upcycling, surgem luminárias, quadros e mesas revestidas por coleções inteiras. Designers gráficos têm resgatado bolachas antigas como referência para trabalhos contemporâneos, buscando ali padrões, fontes e composições visuais que resistiram ao tempo.
Em diversos países, há premiações anuais dedicadas a reconhecer os porta-copos com os designs mais criativos e bem executados. Um exemplo de destaque é o MOTY Contest, promovido pela British Beer Mat Collectors Society, entidade britânica voltada ao colecionismo de bolachas. Nessa competição, os membros elegem as melhores peças do ano em duas categorias: Peça Única (com frente e verso) e Sets (compostos por 3 ou mais bolachas temáticas). Esses concursos valorizam o trabalho gráfico, incentivam a originalidade e reforçam o papel cultural das bolachas no universo cervejeiro.
Na próxima vez em que você levantar seu copo para um brinde, vale dedicar um breve olhar à bolacha que o sustenta. Mais do que uma barreira contra a umidade, ela é a síntese tangível de um universo que une arte gráfica, memória social e paixão pela cerveja. Sob sua superfície simples, repousam décadas de criatividade, marketing e tradição. E, como qualquer peça pequena e bem feita, ela prova que a grandeza do universo cervejeiro também se revela nos detalhes.
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